EMENTA: AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. AÇÃO DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE PENDENTE. POSSIBILIDADE. PRESCRIÇÃO. ART. 177 DO CC DE 1916 C/C ART. 2.028 DO CC DE 2002. CONTAS PRESTADAS ESPONTANEAMENTE ATÉ 1997. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
I - A propositura de ação de dissolução e liquidação de sociedade não prejudica o ajuizamento da ação de prestação de contas.
II - O objeto da ação de dissolução de sociedade, em regra, está restrita à analise do patrimônio a ser partilhado existente no momento da dissolução, a fim de conferir os haveres de cada sócio, ou, excepcionalmente, para se apurar alegação de ato concreto (específico) do sócio que tenha sido suscitado como gerador da culpa pela dissolução.
III - Na ação de prestação de contas, ao contrário da dissolução, a parte tem a faculdade de exigir, pormenorizadamente, as contas referentes a atos pretéritos de gestão e administração.
IV - Por tratar-se de ação pessoal e não haver prazo específico, o prazo prescricional a ser adotado é o do art. 177 do Código Civil de 1916, ou seja, 20 anos.
V - Dada a quitação na Alteração do Contrato Social, presume-se, até que se prove o contrário, que as contas foram prestadas e houve aceitação tácita, faltando interesse de agir com relação ao período em que o gerente prestou-as espontaneamente.
I - RELATÓRIO:
Trata-se de ação de prestação de contas proposta por Antonio Romildo Zanlorenzi em face de Antonio Gavlak Sobrinho.
Alega o autor, em síntese, que é sócio da empresa Comércio de Automóveis Santa Cecília Ltda e que o réu é o administrador da empresa, mas nunca prestou contas de sua administração. Assim, requer a prestação de contas dos atos de gestão e administração da empresa.
O réu apresentou contestação asseverando, em resumo, que: (i) nunca se negou a apresentar qualquer balanço ou a contabilidade da empresa; (ii) é desnecessária a prestação jurisdicional, vez que o autor já ajuizou ação de dissolução de sociedade cumulada com liquidação; (iii) a empresa deixou de funcionar em 1999, sendo que o passivo ultrapassa o ativo.
A MMª Juíza proferiu sentença julgando procedente a ação, para o fim de determinar que o réu apresente as contas relativas a todas as ações administrativas de gerenciamento consumadas na empresa, no período em que o requerido esteve a frente da administração, sob pena de não lhe ser lícito impugnar as que o autor eventualmente apresentar.
Inconformado, o réu interpôs a presente apelação, alegando, em resenha, que: (i) falta interesse de agir ao autor, pois antes de ajuizar a presente ação, ingressou com ação de dissolução e liquidação de sociedade; (ii) como esta é mais abrangente que aquela, a prestação de contas deve ser julgada improcedente; (iii) caso seja mantida a obrigação de prestar contas, elas não podem ser exigidas de todo o período de administração, posto que ocorreu a prescrição, devendo observar, por analogia, o prazo de 5 anos do Código Tributário Nacional ou o prazo de 10 anos do Código Civil. Requer a reforma da sentença.
A apelada apresentou resposta, alegando que: o seu direito de exigir a prestação de contas é garantido pelo ordenamento jurídico; a ação de dissolução de sociedade não torna inviável a presente demanda; eventualmente pode-se cogitar de continência; a lei não fixa limite temporal para a prestação de contas; a questão da prescrição caracteriza inovação recursal.
Após vieram os autos a este Egrégio Tribunal de Justiça.
É o relatório.
II - VOTO E SEUS FUNDAMENTOS.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
No mérito, a apelação merece parcial provimento.
Sustenta o recorrente que antes de ajuizar a presente ação de prestação de contas, o autor ingressou com ação de dissolução e liquidação de sociedade e, como esta abrange aquela, faltar-lhe-ia interesse de agir. Contudo esse argumento não merece prosperar.
A propositura de ação de dissolução e liquidação da sociedade em nada inviabiliza o ajuizamento da ação de prestação de contas, posto que possuem naturezas jurídicas diversas: enquanto aquela tem a finalidade de apurar o patrimônio da sociedade, partilhando-se o mesmo em caso de dissolução total ou apurar os haveres do sócio dissidente na hipótese de dissolução parcial ou retirada de sócio; nesta, o fim é "fazer alguém a outrem, pormenorizadamente, parcela por parcela, a exposição dos componentes do débito e crédito resultantes de determinada relação jurídica, concluindo pela apuração aritmética do saldo credor ou devedor, ou de sua inexistência"1.
Logo, tendo finalidades diferentes, é plenamente possível a coexistência das duas ações, pois o ajuizamento de ação de dissolução de sociedade não prejudica de modo algum a presente demanda.
Ao contrário do sustentado, o que não se admite é que em sede de ação de dissolução de sociedade, total ou parcial, o sócio queira discutir fatos estranhos ao pedido. Ora, se alguma conta deixou de ser prestada ou algum ato ficou mal resolvido no período da gerência, então tal matéria deve ser suscitada, se específica, como fundamento da dissolução ou em ação autônoma própria.
Cabe lembrar que o objeto da ação de dissolução de sociedade, em regra, está restrito à analise do patrimônio a ser partilhado existente no momento da dissolução, a fim de conferir os haveres de cada sócio, ou, excepcionalmente, para se apurar alegação de ato concreto (específico) do sócio que tenha sido indicado como gerador da culpa pela dissolução.
Por outro lado, na ação de prestação de contas, ao contrário da dissolução, a parte tem a faculdade de exigir, pormenorizadamente, as contas referentes a atos pretéritos de gestão e administração, visando esclarecer a sua regularidade. Assim, fica claro que as ações possuem objetivos diversos.
Neste sentido é a doutrina de ADROALDO FURTADO FABRÍCIO:
"No Direito Comercial, casos clássicos de prestação de contas situam-se no campo do direito societário: obriga-se a dar contas à sociedade ou ao menos aos demais sócios o sócio-gerente, ou o que de fato detém a direção dos negócios sociais. (...) Dissolvida a sociedade, ainda são devidas as contas relativamente ao período anterior."2
O sócio da sociedade limitada, de acordo com o art. 1.020 do Código Civil, tem o direito de exigir do administrador a prestação de contas de sua administração, havendo, conseqüentemente, interesse em ingressar com a ação de prestação de contas, em conformidade com o disposto no art. 914, I, do CPC.
Entretanto, há que se considerar a prescrição de tal direito.
A despeito dos argumentos trazidos nas contra-razões de recurso, a prescrição pode ser alegada a qualquer tempo e grau de jurisdição.
No presente caso, por tratar-se de ação pessoal e não haver prazo específico, o prazo prescricional a ser adotado é o do art. 177 do Código Civil de 1916, ou seja, 20 anos.
Isto decorre da simples leitura do artigo 2.028 do Código Civil de 2002 que dispõe:
"Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada".
Assim, como a presente prestação de contas abrange período a partir de 14 de outubro de 1.964 e tendo sido distribuída a ação em 29 de junho de 2.004, verifica-se que entre uma e outra data decorreram aproximadamente 30 anos, portanto muito mais que a metade do prazo prescricional vintenário estabelecido no anterior Código Civil de 1.916. Deste modo, de acordo com o artigo supra citado, é prazo do antigo Código que deve incidir.
Destarte, o direito a prestação de contas deve-se limitar ao período de 20 (vinte) anos anteriores à data do ajuizamento da ação.
Todavia, no presente caso há que se atentar para algumas peculiaridades. A primeira delas é que, neste período de 20 anos, o réu não foi o único administrador da empresa, havendo outros que constam nos contratos sociais (fls. 81, 92,120). Assim, se a prestação fosse devida por todo este período, seria necessário que todos os gerentes integrassem o pólo passivo em litisconsórcio.
Ocorre que, nos anos de 1995, 1996 e 1997, consta expressamente das alterações contratuais (fls 158/167) que os sócios outorgaram quitação sobre quaisquer negócios anteriormente realizados entre si e com a própria sociedade. Assim, presume-se que, se foi dada a quitação, as contas foram prestadas até então. Enfatiza-se que tal presunção se trata de presunção iuris tamtum, ou seja, que admite prova em contrário, entretanto enquanto não for desconstituída por ação própria, continua gerando seus efeitos jurídicos.
Assim, presumindo que as contas já foram prestadas até o ano de 1997 (cláusula segunda, parágrafo único da 36ª alteração contratual) o autor somente tem interesse de exigir judicialmente as contas que o administrador não prestou espontaneamente.
Logo, a prestação de contas somente pode ser exigida a partir de 1997, por faltar-lhe uma das condições da ação no período anterior.
Com relação à sucumbência, entendo que o autor deve arcar com 80% das custas e honorários advocatícios fixados em R$ 1.000,00; já o réu deve arcar com 20% das custas e honorários do patrono do autor, estes arbitrados em R$ 500,00, sem qualquer compensação.
Por tais fundamentos, voto no sentido de dar parcial provimento ao recurso, para reformar a sentença nos termos do voto, julgando procedente em parte a ação, no sentido de que sejam prestadas as contas a partir do ano de 1997.
É como voto.
III - DECISÃO.
ACORDAM os Desembargadores integrantes da Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar parcial provimento ao recurso.
A sessão foi presidida por este relator e participaram do julgamento, acompanhando o voto, os Desembargadores Cláudio de Andrade e Rabello Filho.
Curitiba, 13 de dezembro de 2006.
Des. CARLOS MANSUR ARIDA
Presidente e Relator
1 FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Comentários ao Código de Processo Civil vol. VIII. Tomo III. Rio de Janeiro: Forense, 1980. p. 387.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, TJPR - Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. TJPR - Comercial. Ação de prestação de contas. Ação de dissolução de sociedade pendente. Possibilidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 fev 2011, 10:49. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Jurisprudências /23534/tjpr-comercial-acao-de-prestacao-de-contas-acao-de-dissolucao-de-sociedade-pendente-possibilidade. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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